Ver um homem velho, fatigado e em sofrimento suscita sempre
um sentimento de compaixão. A imagem de João Paulo II nos seus últimos dias de
Pontificado tocava profundamente a sensibilidade até dos anticlericais mais
empedernidos. O atual Bispo de Roma também se apresentava cansado e frágil na
sua última aparição pública e os motivos oficiais da sua demissão até podem ser
totalmente verosímeis.
Todavia, isso constituiu qualquer coisa absolutamente
revolucionária relativamente à longa tradição da Igreja. Antes dele, só
Celestino V se demitiu voluntariamente da Cadeira Pontifícia tendo,
precisamente por isso, sido acusado por Dante de cobardia.
Sem contar que, se a tradição católica exige que o Papa
assuma com o seu cargo uma certa santidade, uma renúncia irá torná-lo demasiado
humano, a ele e ao seu posto.
O Papa anterior chegou a dizer, relativamente ao cargo
assumido, que “se é pai da Igreja para toda a vida” quer se queira ou não, e se
portou de forma correspondente, até porque “Cristo não desceu da cruz”.
A decisão de Bento XVI, no entanto, por mais compreensível
que seja do ponto de vista humano, é por si só um fato de consequências graves
e no futuro se saberá até que ponto o prestígio e a santidade do Papado serão
os mesmos ou se serão afetados.
Mas é precisamente o inédito da situação que nos obriga, a
contragosto, a formular outras possíveis hipóteses sobre as razões para um ato
tão incomum. Hipóteses que, sejam verdadeiras ou falsas, dificilmente terão
alguma confirmação no futuro, tal como nunca se soube como e de que doença
morreu João Paulo I.
O Vaticano foi sempre conhecido pela sua extrema capacidade
em salvaguardar os seus segredos e a sua extraterritorialidade ajuda-o até nos
casos mais delicados como, por exemplo, o do múltiplo assassinato do comandante
da Guarda Suíça, da sua mulher e do jovem soldado que ocorreu há poucos anos.
São duas as hipóteses que nos vêm à nossa mente. A primeira
está ligada às ações empreendidas pelo Papa Ratzinger antes da sua ascensão ao
trono papal. Joseph Ratzinger foi o maior responsável pelo manto de silêncio
que cobriu os numerosos casos de padres pedófilos que, na maior parte das
vezes, não puderam ser perseguidos pela justiça civil e que, em processos internos
da Igreja, tiveram quase sempre uma pena máxima: o simples afastamento da
paróquia onde os crimes tinham sido praticados e o envio para outro cargo ou
lugar. E se alguém, na posse de novas provas, puder chamar o atual Papa à
responsabilidade? Ou implicá-lo diretamente nesses atos?
Quer se tenha tratado de um recado que lhe tenha sido
endereçado, ou apenas de uma informação preventiva de um “serviço” qualquer, um
escândalo que pudesse envolver um cargo tão alto da instituição teria um tal
impacto que poderia mesmo ser “mortal” para toda a Igreja. Se uma hipótese
semelhante fosse real, então seriam vistas sob uma outra luz as palavras de que
a sua “renúncia” possa ter sido justificada pelo “bem da Igreja”.
A segunda possibilidade tem a ver com o recente escândalo
que envolveu o mordomo pessoal do Papa e as guerras internas nas altas esferas
do Vaticano. Um relatório confidencial a esse respeito tinha sido entregue nas
mãos do Pontífice, enquanto vozes inimigas ligavam estes fatos aos conflitos
que abrangiam também o Banco do Vaticano (IOR). Ainda que, em relação a este
último, as disputas entre os Prelados eminentes fossem do domínio público, foi
uma surpresa o imediato afastamento de Gotti Tedeschi e as dificuldades, ainda
relevantes, para a nomeação de um novo diretor-geral, adiada mês após mês. E se
o conflito se tornou de tal forma grave que chegou a abranger o detentor do
elevado cargo? Isso seria um outro possível motivo para a resignação, neste
caso já não tão “voluntária”.
Não vale a pena alguém dizer que a ideia da renúncia já
estivesse na cabeça do Papa há alguns meses, pois a própria insistência
repetida no tema faz lembrar “excusatio non petita” (“desculpas não pedidas”).
É óbvio que se trata só de hipóteses e não temos nenhum
elemento concreto para poder dizer que se está perante mais do que simples
ilações. Mas a raridade desse ato, quando comparado com dois séculos de
história da Igreja do Vaticano e o hábito desde sempre de guardar segredos nos
poucos metros quadrados de terra, não nos podem garantir que as razões
oficialmente anunciadas sejam necessariamente a única verdade possível.
Comentário pessoal: Creio que para além destas duas razões
acima mencionadas se pode juntar mais duas. Uma seria o senhorio dos banqueiros
da Opus Dei, este papa nunca foi um papa tipo “Ronaldo” ou seja com perfil
publicitário a atrair multidões aos santuários romanos e aí deixarem as suas
dádivas em antecipado reconhecimento de méritos para o céu. Os dois grandes
santuários (Fátima em Portugal e Lourdes em França) e a falta da entrada de
ouro, sabido é que em Fátima há mesmo um forno de fundição de ouro. A segunda razão
que associo hás anteriores tem haver com poder de penetrar os países árabes,
João Paulo II, teve a arte e engenho de ser figura proeminente no derrube do
comunismo e esperava-se que este exercesse o mesmo poder em termos teológicos
de conversão dos intelectuais e elite árabe, isto não aconteceu. Ainda que
tenha convertido as igrejas ortodoxas, luterana, anglicana e outras, o que já
não é pouco.
Assim, proponho à vossa reflexão. Qual o cardeal que melhor
posicionado está para esta missã?
Se me enganar – não sou profeta – ficam as minhas desculpas,
no entanto, prevejo que seja Angelo Scola. Este prelado dirigiu a Pontifícia
Universidade Lateranense em Roma, depois foi nomeado Patriarca de Veneza e
agora ocupa o cargo de arcebispo de Milão. Mantém boas relações com os círculos
sociais e políticos. Além disso, foi ele que criou e está encabeçando agora uma
entidade religiosa que procura estabelecer contatos entre cristãos e
muçulmanos, sendo esse um fator muito importante para a Europa.
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