Hebe de Bonafini recorda que as mães sempre denunciaram o
papel da igreja oficial argentina durante a ditadura. Foto javi/Flickr
Pouco depois do
anúncio do novo Papa Francisco, fizeram-se ouvir as vozes dos familiares das
vítimas da ditadura que reprimiu os argentinos entre 1976 e 1983. Graciela
Yorio, irmã de um dos sacerdotes jesuítas sequestrado e torturado pela
ditadura, não escondeu a indignação e repetiu a denúncia de que Bergoglio é o
“autor moral" do sequestro do seu irmão, o sacerdote jesuíta Orlando
Yorio. Ele foi raptado e torturado juntamente com outro jesuíta, Francisco
Jalics, durante cinco meses num dos principais centros de tortura do regime de
Videla, situado na Escola de Mecânica da Marinha.
O novo papa Francisco era o superior direto de Orlando,
conta a irmã ao jornal "O Globo", acusando-o de não o ter protegido.
"Como o meu irmão e Francisco Jalics não seguiram os conselhos de deixar
de viver numa favela, foram expulsos da congregação pelas pressões da ditadura,
que achava que eram subversivos, e posteriormente presos". Os dois sobreviveram
às torturas e partiram para o exílio depois de libertados.
Graciela recordou ainda a visita de Bergoglio à família logo
após o sequestro: "Ele disse-nos que sobre Orlando não se falava mais,
dando a entender que ele estava morto. Ficámos com a sensação de que ele os
entregou. Quando o meu irmão e Francisco foram soltos, telefonaram para
Bergoglio e ele disse-lhes que não podia ajudá-los", conta Graciela, que
pretendia apresentar no tribunal de Buenos Aires novas testemunhas para a
descoberta da verdade. Mas com a notícia da escola de Bergoglio para papa,
"estamos destruídos, o processo não poderá mais avançar", lamenta.
"Agora que é Papa, tem de nos dizer onde estão as
crianças roubadas"
Outra voz que se levanta a exigir justiça é a de Elena de la
Cuadra, que há 35 anos procura a sua sobrinha nascida em cima da mesa de uma
esquadra de polícia e imediatamente levada para parte incerta. "A Igreja
Católica escolheu uma pessoa que para nós, familiares de vítimas da repressão
exercida pelos militares, foi cúmplice de um governo genocida”, acusa.
A sua irmã Elena tinha sido raptada quando estava grávida de
cinco meses e a família pediu pessoalmente ajuda a Bergoglio. “Ele escreveu uma
carta pedindo a outros membros da Igreja que nos ajudassem, mas foi inútil. Terminaram
dizendo-nos que a situação era irreversível, que Ana, a minha sobrinha nascida
numa esquadra, estava com uma boa família, que cuidaria muito dela”.
Este foi um dos casos julgados e condenados pela justiça
argentina, mas a família já tinha ficado indignada com o arcebispo de Buenos
Aires quando ele veio dizer que só tinha tido conhecimento dos bebés roubados
há pouco tempo. "Isso é mentira, porque ele, pessoalmente, nos recebeu
durante a ditadura", lembra Estela, sublinhando que “muitos dos bebés eram
distribuídos pelo Movimento de Famílias Cristãs, fortemente vinculado à
Igreja”. Por isso, Estela defende que "agora que é Papa, Bergoglio tem a
obrigação de nos dizer onde estão as crianças roubadas".
Mães de Praça de Maio: "Só nos relacionamos com
sacerdotes do terceiro mundo"
Em comunicado, a presidente da Associação Mães da Praça de
Maio, atualmente em visita a Itália, também reagiu ao anúncio de Bergoglio para
papa. "Desde o momento em que iniciámos a nossa luta, só nos relacionámos
com sacerdotes do terceiro mundo. Fizemos uma lista de 150 sacerdotes
assassinados pela ditadura, que a Igreja oficial silenciou, sem nunca os ter
reclamado", afirma Hebe de Bonafini.
"As Mães falaram da igreja oficial quando mais ninguém
falava. A igreja oficial é opressora, mas a do terceiro mundo é
libertadora", prossegue a líder histórica do movimento de mães que
perderam o rasto aos filhos raptados e entregues em segredo a militares,
polícias e políticos do círculo da ditadura de Videla. "Continuamos a ter
relação apenas com os sacerdotes do Terceiro Mundo e sobre este Papa que ontem
nomearam só temos isto para dizer: Amen", conclui a nota divulgada no site
da Associação das Mães da Praça de Maio.
Comentário pessoal: Algumas visões mais extremas figuram a
Companhia de Jesus como o cérebro-motor do refinamento da máquina de medo em
que se teria tornado a Inquisição moderna, imputando aos Jesuítas a
responsabilidade de terem sido os mentores das mais desumanas definições
regimentais do tribunal da inquisição. Estes padres eram conhecidos como os “padres
negros” e teriam estendido a sua teia de medo e de opressão sobre o reino e
império ultramarino, em especial India e Brasil. Eles fizeram definhar em lume
brando, isto é, paulatinamente, todas as forças vitais e criativas da nação
portuguesa. Os judeus foram destruídos e os seus bens passaram a ser património
da igreja, os ricos e nobres sobre eles era lançada a suspeita de pertencerem
ou simpatizarem com os “protestantes” e assim, mulheres e homens, velhos e
crianças exterminados e os bens património da ordem dos jesuítas.
Atrás da capa da humildade, era o diabo que habitava. Não será
assim, agora. Cremos acreditar que as “Mães de Praça de Maio” na Argentina, terão
suspeitas infundadas.
José Carlos Costa
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