10 de fevereiro de 2011

O ESTIGMA DA PELE OU OS ESTRANGEIROS

“E não fale o filho do estrangeiro, que se houver chegado ao Senhor, dizendo: De todo me apartará o Senhor do seu povo; nem tão-pouco diga o eunuco: Eis que eu sou uma árvore seca.
Porque, assim diz o Senhor, a respeito dos eunucos, que guardam os meus sábados, e escolhem aquilo que me agrada, e abraçam o meu concerto:
Também lhes darei, na minha casa e dentro dos meus muros, um lugar e um nome, melhor do que o de filhos e filhas: um nome eterno darei, a cada um deles, que nunca se apagará.
E aos filhos dos estrangeiros, que se chegarem ao Senhor, para o servirem, e para amarem o nome do Senhor, sendo deste modo servos seus, todos os que guardarem o sábado, não o profanando, e os que abraçarem o meu concerto.” Isaías 56:3-6.
Esta manhã ao ler este texto bíblico lembrei-me do cenário de Clichy-sous-Bois, conheço este bairro e recordo as imagens na TV, o sombrio dos prédios degradados, repletos de famílias numerosas, pobres, vindas de longe, com filhos que não conhecem num país de origem senão a França.
Lembrei-me da morte dos dois adolescentes, Zyad Beena, de 17 anos, e Bouna Traoré, de 15 anos, electrocutados num transformador de alta tensão quando se escondiam da polícia. Nessa noite, não houve qualquer explicação da polícia, do Governo, de qualquer instituição.
A mágoa tomou a forma de “revolta social” que incendiou nesse Outono de 2005 primeiro Clichy-sous-Bois, no Leste de Paris, e depois os subúrbios de várias grandes cidades da França. Clichy-sous-Bois mistura os sintomas da problemática integração de imigrantes com os da pobreza e do desemprego, tal como em Lisboa, no Rio de Janeiro ou em qualquer outra grande cidade do mundo.
As pessoas de Clichy vivem num enclave, sem transporte direto que as ligue á capital, sem portas de saída para novas oportunidades, cortadas do mundo que os rodeia. Esta é uma cidade jovem, onde quase metade da população tem menos de 25 anos.
As torres erguem-se na desordem e a cidade aumentou. Um imenso espaço verde, onde um grupo de mulheres em traje muçulmano passeia, podia ter sido transformado num jardim. Mas também ele parece só estar ali por acaso, desalinhado, ao abandono. Nada nesta cidade parece ter sido pensado para acolher pessoas. É generosa para os que chegam acolhidos pelso que já aqui estão. Mas algo de impiedoso instala-se na vida dos que aqui passam a viver.
Samir Mihi é um dos fundadores da aclefeu (Association, Collectif, Liberté, Égalité, Fraternité, Ensemble, Unis) criada para que as mortes de Zyad e Bouna não tenham sido em vão. Toda a cidade os conhecia e a eles se refere como “os nossos filhos”.
“Podia ser bom viver em Clichy. Mas as pessoas foram deixadas à sua sorte aqui”, conclui Samir. “Vivemos nos subúrbios, por isso não existimos. Vivemos na única cidade onde não existe nada”. Os jovens pouco saem de Clichy. Cansados dos controlos de identidade, quase nunca vão a Paris. “A polícia abusa. E é só por causa da cor que temos na pele”.
“E não fale o estrangeiro, que se houver unido ao Senhor, dizendo: Certamente o Senhor me separará do seu povo”.

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