Gustavo Cudell pede a saídsa de Portugal do euro |
Gustavo Cudell nasceu em Portugal em 1954, mas foi para Suíça em 1974, onde tirou uma licenciatura em Engenharia e uma pós-graduação em Gestão Industrial.
Trabalhou vários anos na Suíça, primeiro como assistente na Faculdade Politécnica de Zurique e depois em duas multinacionais, uma das quais o grupo ABB. Regressou a Portugal 14 anos depois, já no final da década de oitenta, para trabalhar na Gustavo Cudell, Lda., a empresa criada pelo pai, precisamente no dia do seu nascimento e à qual deu o mesmo nome.
O empresário assumiu a presidência da empresa em 1990, depois da morte do pai, de ascendência francesa. O empresário integra, há 14 anos, o painel internacional do IFO, o instituto independente alemão de estudos económicos, que elabora relatórios regulares sobre as expectativas dos empresários em relação à conjuntura económica de diferentes países. Em entrevista ao PÚBLICO, Gustavo Cudell admite que foi um entusiasta do euro, mas agora defende o fim da moeda única e mostra-se muito crítico dos actuais políticos e banqueiros, que define como "marionetas do poder".
O resgate financeiro dos países mais afectados pela crise de dívida tem sido a estratégia mais seguida pela União Europeia. Essa estratégia tem sido a mais correcta ou é desastrosa?
A estratégia que tem sido seguida é desastrosa, porque aumenta as dívidas, os juros e o desemprego e, consequentemente, faz minguar a economia dos países resgatados. Os resgates de bancos e dos países só adiam e aumentam os problemas. E o problema está no euro. No início, também fui um grande apoiante da moeda única, mas hoje acho que o euro é um colete de forças para todos os países que o adoptaram. O euro não funcionou nem nunca vai funcionar, porque os países são completamente diferentes em termos de cultura, dimensão do PIB [Produto Interno Bruto] per capita e competências ou "saber fazer" das populações. Neste momento, o euro é uma doença crónica para todos os países e os resgates são aspirinas para atenuar sintomas e anestesiar as populações.
Qual a estratégia que a União Europeia deveria seguir neste momento? A saída do euro da Grécia, Irlanda e Portugal?
Sem dúvida nenhuma que a saída do euro dos GIPS [Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha, também conhecidas pelo acrónimo, em inglês, PIGS] é a solução. Mas de uma forma gradual. Levámos 16 anos a entrar no euro, com as consequências cambiais e de juros, e, por isso, a saída não pode acontecer em poucos dias. O processo terá de passar pela renegociação da dívida, incluindo um perdão parcial, renegociar prazos e taxas de juro e sair da união monetária [euro] para, eventualmente, reentrar numa união cambial, com bandas de flutuação. A Alemanha, a Holanda e a Áustria também devem sair, porque também estão a ser gravemente prejudicadas.
Mas a saída de Portugal do euro não teria consequências dramáticas?
Se a saída for gradual e negociada, não é nada dramático. Reintroduz-se o escudo, as importações baixam, as exportações sobem, o desemprego cai, o turismo sobe, os imóveis transaccionam-se, o desemprego e o deficit baixam. Desaparece o colete de forças do euro. Podemos respirar de novo e recuperar a soberania de Portugal (pelo menos em parte), que nos foi roubada de forma gradual.
Se a solução é tão fácil, por que é que esse cenário assusta tanto os líderes políticos portugueses?
Os políticos e banqueiros, com grande poder, não se assustam. Eles querem é assustar os cidadãos, para que estes não lhes tirem o poder. Aliás, nunca se assiste a um político ou banqueiro a apresentar razões concretas para tal e fazem da discussão objectiva tabu. Os políticos e banqueiros são marionetas do poder, que está agregado nas mãos dos bancos, incluindo os centrais, no FMI, no Banco Mundial, nas bolsas e em algumas famílias de alta finança.
Neste momento, a crise da dívida alastra a outros países, com destaque para Espanha e Itália. Pode a dimensão destes países obrigar a União Europeia a avançar com outras soluções alternativas ao resgate financeiro?
É verdade. A Espanha e a Itália estão a ser contagiadas e é esse o objectivo. Neste momento, o objectivo é que todos os países, incluindo a Alemanha, entrem num "caldeirão", e fiquem todos doentes. O sr. Durão Barroso, de Bruxelas, não vai fazer nada para impedir isto. O que vai acontecer é que os cidadãos vão negar a colaboração com este sistema de poder e, no limite, deixar de pagar impostos. É preciso que surja um ou vários mohandas [mais conhecido por Mahatma, que quer dizer "alma grande" em hindi] Gandhi para fazer a resistência sem violência.
A Alemanha tem-se revelado contra a saída de alguns países do Euro. Esta posição explica-se pelo facto de a economia alemã sair beneficiada com a falta de competitividade de alguns países da moeda única?
Isso é o que os media mainstream contam aos cidadãos menos esclarecidos. Quando falamos da Alemanha, temos que distinguir entre a elite do poder (banqueiros e políticos) e a esmagadora maioria dos cidadãos, que são os trabalhadores e os empresários. A elite do poder alemã segue o mesmo caminho da elite do poder dos outros países. Mas não é verdade que a Alemanha beneficie com o euro, e a grande maioria do povo alemão é contra o euro. A Alemanha oferece (através do euro fraco) os excedentes que obtém da sua exportação ao Banco Central Europeu e este financia os défices dos países do Sul. Sem o euro, a Alemanha teria matérias-primas, incluindo o petróleo, e juros mais baratos e seria muito mais rica.
A Alemanha já há mais de 10 anos que exporta, de forma constante, mais de 40 por cento da sua produção. A Alemanha soube tirar partido do crescimento do PIB mundial, através de produtos e serviços competitivos e inovadores. Ao contrário dos países do Sul, onde houve uma bonança económica e os salários subiram cerca de 40 por cento, sem que o PIB tenha crescido da mesma medida. Consequentemente, o PIB tem sido absorvido só para pagamento de salários, em detrimento do investimento e o consequente colapso da competitividade destes países.
Deve a Europa avançar rapidamente para uma união política, de forma a salvar o euro?
Não. Com toda a certeza que não. Para quê salvar um colete de forças? As populações não são loucas, não precisam de um colete de forças. Uma união que não funciona economicamente, nunca pode nem vai funcionar politicamente. Isso é o desastre total. Mas é isso que os tecnocratas do poder de Bruxelas querem.
A economia portuguesa vai enfrentar um longo período recessivo. A intenção do Governo (e imposição de troika) de reduzir a taxa social única é uma medida bem-vinda?
Reduzir a taxa social única é uma medida temporária, que adia e agrava os problemas, pois a intenção por trás desta medida é baixar o custo/hora de trabalho em Portugal, mas, como a economia portuguesa não é competitiva, pelas razões já apontadas, isso é um artifício com uma duração temporária. É evidente que quem estiver a morrer afogado, agarra tudo e todos para conseguir respirar mais um pouco.
Na actual conjuntura, que outras medidas pode o Governo tomar para ajudar as empresas a aguentarem-se e a aumentarem as exportações?
A medida mais importante é negociar a saída do euro. De forma suave.
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